Sidney Pinho Junior

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

ESPORTE, REMÉDIO PARA TODOS OS MALES (4)

Parte 4 – Eu, Nelson Piquet e os outros...

Conforme prometido continuo a contar algumas façanhas do grande Nelson Piquet, claro, aquelas que tomei conhecimento, pois não são poucas as histórias sérias e pitorescas vividas pelo tricampeão na fórmula 1.

A temporada de 1982 foi talvez uma das mais tumultuadas e interessantes da carreira de Nelsinho na F1. Naquele ano a Brabham finalizava a transição dos motores V8 Ford Cosworth para os V12 BMW, bem mais potentes, porém bem mais pesados e até então menos confiáveis que os Cosworth. Mas era vital e inevitável a troca dos motores ingleses pelos os alemães naquela temporada, visto que a marca alemã trabalhava com absoluta exclusividade com a equipe de Bernie Eclestone.

Piquet, campeão no ano anterior com a equipe e com o motor Cosworth, não confiava nada nos motores alemães e sabia que não teria a menor chance de vitória e muito menos de defender seu título se adotasse os BMW logo de cara. Foi uma batalha de bastidores na pré-temporada européia e acabou prevalecendo a vontade da montadora alemã; Piquet, mesmo insatisfeito com a decisão da equipe iniciaria a temporada com o motor BMW, juntamente com seu novo companheiro de equipe o italiano Ricardo Patrese que vinha da equipe Arrows.

O primeiro GP do ano, tradicionalmente era disputado na África do Sul, no circuito de Kyalami e as previsões de Nelsinho se confirmavam, ambos por quebra dos turbocompressores de seus motores, saíram da corrida; o brasileiro na terceira volta e o italiano na volta de número 18 e, diante do acontecido e, admitindo as falhas a BMW cede e permite que a Brabham conceda a Nelson Piquet voltar a utilizar os motores Ford Cosworth. Na prova seguinte no Brasil (Jacarepaguá), tanto Piquet quanto Patrese usam o Brabham BT49 com motor V8 Ford Cosworth, com o qual o brasileiro havia sido campeão da temporada anterior.

Nelson não estava errado. Vence o GP Brasil com seu velho Brabham Ford mas é desclassificado devido a seu carro estar abaixo do peso mínimo permitido. A vitória cai no colo do francês Alain Prost ( esse cara sempre deu muito azar para os brasileiros...). Apesar da vitória e de provar que deviam continuar a usar o BT49 até que o novo BT50 com o V12 BMW Turbo fosse mais testado e que a montadora alemã conseguisse melhorar a durabilidade do motor.

A BMW convence Bernie Eclestone que convence Nelsinho a correr o GP dos Estados Unidos “Oeste” em Long Beach com o BT50 (naquela época existiam 2 GP´s nos EUA Leste, em Detroit), garantindo ambos a Nelson, BMW e Brabham, que o motor do novo carro havia evoluído, perdido em peso, ganhado em potencia e durabilidade, claro, oferecendo ainda a Piquet outras vantagens (não me perguntem por que isto eu não sei...), enquanto o novato italiano continuaria com o BT49 e sem nenhuma vantagem.

Nos treinos para o GP o novo modelo, BT50 pilotado por Piquet, foi bem superior ao BT49 do italiano Patrese. O brasileiro largaria em sexto e o italiano na décima oitava posição. De fato houve uma sensível melhora de desempenho do potente motor alemão, mas não o suficiente para garantir a Piquet uma boa corrida.

Ironicamente Patrese com o velho BT49 chega em terceiro lugar atrás de Lauda e Rosberg. Piquet com nova quebra do turbocompressor abandona a corrida na volta 25, tendo cumprido apenas um terço da corrida. Estava estabelecida uma nova polêmica.

Uma série de incidentes políticos, técnicos e diplomáticos fizeram com que dez equipes boicotassem o GP de San Marino daquele ano, dentre elas a Brabham, a McLaren, a Williams e a Fittipaldi entre outras. A vitória ficou com a Ferrari do francês Didier Pironi, que não obedeceu ordem de sua equipe que o ordenara que o francês cedesse a vitória a seu companheiro de equipe o canadense Gilles Villeneuve que acabou a prova segundo lugar. Percebam que não é de hoje que a “scuderia” italiana manobra e manipula resultados na fórmula 1! Quem se atreverá a impedi-los?

Para o grande prêmio da Bélgica, no belo circuito de Zolder, Piquet e Patrese deixam o velho BT49 na Inglaterra e correm com o novo carro que, melhorara muito desde sua última apresentação e, apesar de nova quebra do turbocompressor, só que desta vez no motor do italiano, Piquet termina a corrida em quinto lugar, mas a três voltas do McLaren de John Watson.

Apesar das idas e vindas, da alternância entre os motores Cosworth e BMW com o italiano Patrese que acabou vencendo o GP de Mônaco com o velho BT49, os motores alemães prevaleceram naquela temporada e Piquet acabaria alcançando sua primeira vitória com o BT50 BMW no GP do Canadá, fazendo ainda a segunda colocação no GP seguinte na Holanda e um quarto lugar na Suíça.

Uma das coisas mais curiosas na carreira de Nelson Piquet, é que era conhecido por todos os mecânicos como o melhor acertador de carros que já existira. Por conta deste seu talento também era conhecido nos bastidores da F1 como “Bundinha de Veludo”, tamanha era a sua capacidade de “sentir” os problemas de um carro e apresentar soluções que sempre surpreendiam seus mecânicos.

Nesta batalha travada com os motores da BMW, certa ocasião, se bem me lembro neste mesmo ano de 1982, como havia sido convencido pela marca alemã a abandonar de vez os motores ingleses e dedicar-se integralmente ao desenvolvimento de seus motores, Nelsinho que havia recebido “carta branca” da montadora alemã para fazer o que bem entendesse com seus motores, podendo mudar qualquer coisa, tudo, configuração inclusive, sem que ninguém interferisse ou se posicionasse contra sua vontade e orientações, causou espanto em seus mecânicos e engenheiros, nos treinos para o GP da Áustria. Lá pela metade dos treinos livres da manhã de sexta-feira, Piquet por três vezes consecutivas entra nos boxes e, sem permitir que qualquer de seus mecânicos ou engenheiros se aproximassem do seu carro, para fora da linha do “pit Lane”, desacelera o motor e segundos depois arranca lentamente dos boxes, deixando a todos sem entender o que estava acontecendo ou o que estava Piquet fazendo ou testando. Peter Warr, na ocasião seu engenheiro chefe observava tudo de longe e acenava para os mecânicos para que não interferissem. O que estaria fazendo Piquet, perguntavam-se os mecânicos sem nada entender e atônitos com o silêncio de Peter.

Na manhã de sábado Piquet chega bem cedo ao autódromo, junto com os mecânicos e antes de todos os engenheiros. Dentro dos boxes observa seu Brabham BT50 por vários ângulos, rodeia o carro, abaixa-se até o chão, olha-o por baixo, perfila-se por trás do bólido e mede-o com um dos olhos fechados, observa curvaturas, inclinações dos “spoilleres” tudo sem dizer sequer nem bom dia para ninguém. Os mecânicos ingleses e alemães sem saber o que fazer ou o que dizer permanecem calados e sem nada entender, até que, de súbito, Nelson se põe de pé, chama o chefe dos mecânicos ingleses e determina que fossem mudadas as angulações dos “spoilleres” e, este, calado continua sem discordar; coça a cabeça e retira-se em direção aos baús de ferramentas.

Piquet chama o chefe dos mecânicos alemães e dá a este determinação ainda mais surpreendente, mais estranha e absurda. Diz Piquet ao mecânico alemão – abra a caixa de marchas e retire a primeira e a segunda... e, o mecânico então reage... – como assim? Você quer que eu tire as engrenagens da primeira e da segunda marchas?... ao que responde Piquet irritado com a dúvida do mecânico... você é surdo ou não fala inglês? É claro que é para tirar as engrenagens da primeira e da segunda, claro, é isso mesmo e, seja rápido!...  determina o brasileiro antes de se retirar do recinto.

Pouco tempo após a saída de Piquet chega Peter Warr, acompanhado de Bernie Eclestone e encontram os mecânicos em polvorosa, discutindo entre si e com engenheiros sem saber o que fazer. Mr. Peter ao perceber que alguma coisa importante havia acontecido pergunta o que estava acontecendo ali. O chefe dos mecânicos se aproxima e conta a Peter e a Bernie que Piquet havia lhes dados ordens com as quais eles não concordavam. Bernie olha para Peter Warr e como dono que era da equipe, lava as mãos e deixa o “pepino” nas mãos de seu chefe de equipe. O que foi que aconteceu... pergunta Mr. Warr ao mecânico chefe. Este então conta que Piquet o mandara alterar as angulações dos “spoilleres”, reduzindo-as em alguns graus, no que houve de seu chefe... – se foi o Piquet quem te deu esta ordem, então faça o que ele te determinou... mas o mecânico ainda reluta. Mas Peter, ele mandou o pessoal da BMW retirar as engrenagens da primeira e da segunda marcha do carro, o que nós fazemos?... O que vocês fazem? Responde Peter. – Façam o que o Piquet mandou, ora bolas... o que é que vocês estão esperando? Vamos ao trabalho!

Sabendo Peter Warr que Piquet era um especialista em acerto de bólidos de corrida, não titubeou e determinou aos mecânicos que cumprissem as ordens do brasileiro, mas ainda lhe restavam algumas dúvidas e, ao ir encontrar Piquet no “motor home” da equipe questiona o brasileiro. –Ok Piquet, eu entendi o que você quer fazer... retirando a primeira e a segunda marcha, o carro fica 42 quilos mais leve, o que faz com que o carro ganhe em potência e estabilidade! Mudando os ângulos de ataque dos “sopoilleres”, nós ganhamos em velocidade nas retas... tudo bem mas, me diga uma coisa... no que Piquet concede... – dizer o quê Peter? surpreso com as dúvidas de seu chefe de equipe. – Como é que você vai sair dos boxes? Sem primeira e sem segunda marchas? Como?... tenta entender Mr. Warr; no que o brasileiro responde de maneira simples. – Peter, você viu quantas vezes eu entrei e saí dos boxes ontem pela manhã, sem entrar no “pit Lane”? Sim claro, umas três ou quatro vezes... responde Peter Warr. – Pois então... todas as vezes eu saí de terceira e uma até de quarta marcha e... se com o peso total do carro eu consegui sair dos boxes, com 42 quilos a menos eu vou sair daqui voando, entendeu?

Em resumo; o BT50 era excessivamente pesado, mas tinha um motor potentíssimo. Apesar de não ter um chassis perfeito, tinha um motor de foguete. Apesar de não ter lá uma aerodinâmica perfeita, tinha um motor muito forte. Conclusão, pelo menos para os treinos classificatórios Piquet havia criado uma solução que o colocava quase em pé de igualdade com a concorrência! Resultado; ao final dos treinos para formação do grid de largada, Nelson Piquet conquistaria a “pole-position”, causando surpresa em todos. Na corrida Piquet voltou a penar com os problemas do carro que, desta vez pelo menos, teve uma pane elétrica na volta 31 e teve que abandonar a corrida quando a liderava desde a largada, tendo feito ainda a volta mais rápida, mesmo correndo sem duas marchas.

Na temporada de 1983 apesar de ter continuado a sofrer para desenvolver o Brabham-BMW, Piquet se sagrou bicampeão, tendo vencido três provas, feito uma pole-position e assinalado a melhor volta em quatro grandes prêmios e ter estabelecido quatro recordes de pista. Na temporada, além das vitórias, conquistou mais três segundos lugares, dois terceiros e dois quarto lugares, num total de oito pódios em 15 GP´s e, nas cinco outra provas em que não pontuou, seu possante motor BMW o deixou pelo caminho em quatro provas. Ao final da temporada conquistou o bicampeonato com 59 pontos, dois a frente de Alain Prost que corria pela Equipe Renault com o excelente modelo RC30C, bem superior ao BT50 de Piquet!

O que mais falar, contar sobre o talento deste legítimo e insuperável tricampeão que, marcou todas as suas vitórias e conquistas, pela determinação, pela coragem, pela ousadia e pelo amor que sempre nutriu pelos esportes automotores e que nunca teve vida fácil ou sequer o melhor carro do grid. Foi campeão Três vezes na F1 e, se não fossem as politicagens esportivas e a preferências dadas a seus companheiros de equipe, teria sido, tetra, penta, hexa enfim. Por causa deste amor ao automobilismo, quase perdeu a vida num treino para a disputa das 500 milhas de Indianápolis.

Bem, é isso pessoal! Eu tenho um ídolo! Você tem?

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